Pular para o conteúdo principal

Do otimismo ao pessimismo: Três cenários para o futuro da economia brasileira

Estudo aponta tendências possíveis dos acontecimentos no cenário de evolução da coronavirus - Foto: Roberto Parizotti
Estudo aponta tendências possíveis dos acontecimentos no cenário de evolução da coronavirus – Foto: Roberto Parizotti

Carlos Teixeira
Jornalista responsável I Radar do Futuro

A protelação do governo Bolsonaro em reconhecer a gravidade do momento e apoiar o isolamento radical da população impacta negativamente a vida dos empresários que, hoje, protestam pela reabertura indiscriminada das atividades comerciais. A redução da quarentena e o retorno das atividades dependem deles mesmos, os mais interessados. Os participantes de protestos, que jogam contra eles próprios. Sem força, a quarentena tende a se estender, agravando a situação da economia interna.

O levantamento “Cenários para a economia brasileira”, elaborado pelo economista Paulo Roberto Bretas, a partir de estudos publicados na mídia digital e relatórios da RC consultoria e Consultoria Roland Berger, divulgados na edição do dia 31 de março do jornal Valor Econômico, mostra os cenários econômicos prováveis do processo de “lockdown”, o isolamento que está sendo adotado como padrão global de enfrentamento do coronavírus. Ele indica tendências econômicas globais e regionais e acontecimentos prováveis que determinarão a extensão da crise sobre a sociedade, inclusive sobre empresas e trabalhadores.

Recuperação em “V”

No primeiro cenário, definido como “lockdown curto” e de otimista pelo economista Paulo Bretas, as restrições determinadas à população e ao funcionamento do comércio são de curtíssima duração. Ocorre um processo de “recuperação em V” — uma queda e uma elevação rápidas da situação interna, permitindo a reversão das quarentenas da população em cidades brasileiras já na primeira quinzena de abril. É o resultado da percepção de que, já na segunda quinzena de abril, ocorra uma redução dos casos da doença.

Para que isso possa ocorrer, é necessária uma mudança radical de postura do governo, pouco provável quando se considera o comportamento recente do presidente e o apego ao receituário neoliberal que caracteriza a equipe de governo. O cenário de melhoria dos ambientes social e econômico depende de ações articuladas de apoio do governo, envolvendo todas as esferas dos setores público, inclusive os poderes legislativos e judiciário, o setor privado.

Globalmente, a intervenção forte e bem articulada dos Governos, como ocorreu na China, Singapura e Coreia do Sul, favoreceu uma expectativa de recuperação rápida das economias regionais. No estudo do economista, iniciativas com o mesmo nível de coordenação favorecem alguma rápida recuperação das economias, especialmente dos Estados Unidos e da China, com impactos mais lentos na Europa, onde as ações atrasadas tendem a travar visões otimistas.

Neste cenário otimista — e muito pouco provável, há de se reconhecer — a economia brasileira poderia se beneficiar com a manutenção de resultados favoráveis da agropecuária e recuperação dos setores de indústria e construção civil. Os indicadores financeiros se mantêm sem oscilações significativas. E as iniciativas governamentais terão reduzido os problemas dos trabalhadores formais e informais, dos microempresários e da população de rua. O produto interno bruto tem até alguma chance de crescer 1% ou pelo menos ficar estável.

Recuperação em “U”

No segundo cenário levantado por Paulo Roberto Bretas, o isolamento prossegue a médio prazo. Até a segunda quinzena de abril começa ser possível imaginar a reversão da quarentena, que pode até ser estendida, mas com alguma luz próxima para a crise. No caso, os hospitais e o sistema de saúde como um todo estarão com demanda mediana. Mas enfrentando uma saturação, como efeito dos investimentos  e a falta de suprimentos mínimos e redução de pessoal.

O desempenho da infraestrutura da saúde é um resultado, de acordo com as variáveis levantadas, da ausência de coordenação das políticas públicas. Contaminadas pelo foco do poder central em manter o controle das contas públicas e limitando a velocidade de liberação de recursos, estados e municípios rolam dívidas sem repactuar com ajuda do judiciário. Há forte alta da dívida pública e do risco país.

Para o sistema produtivo brasileiro, como um todo, o cenário não é bom, mas também ainda não representa uma tragédia, segundo o levantamento do economista. O PIB pode ficar entre -1% e 0,1%. Enquanto Estados Unidos e China ensaiam uma lenta recuperação e a Europa enfrenta forte recessão, a agropecuária no Brasil preserva um bom desempenho, mas com preços em queda. Indústrias seguem estagnadas, enquanto as cadeias produtivas sofrem com gargalos.

Mas é no ambiente social que a ausência de envolvimento real e de agilidade do governo tende a expor os principais e maiores problemas. A precária destinação de recursos para a sobrevivência de empresas, especialmente as pequenas, manutenção de empregos e redução das dificuldades das populações vai estimular a pressão social, nas ruas e, especialmente, na internet. E favorecer a violência. O número de desempregados cresce, assim como a busca por trabalhos formais. É natural que se espere, então o fechamento de empresas.

Recuperação em “L”

Na primeira quinzena de maio, os brasileiros continuarão dentro de casa. A redução dos casos de incidência do vírus passa a ser projetada para a segunda quinzena do mês, enquanto hospitais enfrentam sobrecarga de trabalho e de doentes. A sociedade vive um caos social, decorrente de um cenário assustador, provocado pela comoção diante do número de mortos. Movimentos são organizados para pressionar o governo com saques e quebra-quebras.

A projeção de “Recuperação em L”, do estudo de Paulo Roberto Bretas, é identificada como um “cenário de conflito”, em que o País amarga uma queda de 2% a 3% do produto interno bruto. A perspectiva de saída lenta do lockdown é o resultado do aprofundamento das crises política e econômica. A sociedade paga o preço da ausência de um plano de recuperação organizado e eficaz de sua estrutura e das prioridades de política econômica, social e política. Sem poder contar com o governo — Estado — o desemprego tende à explosão, com as cidades dominadas por trabalhadores precários e informais.

Sem acesso a capital de giro, bancos altamente cautelosos, inadimplência elevada e escasso número de empresas capazes de negociar dívidas, a perspectiva é de grande encerramento de empresas. Para a economia, que também refletirá os efeitos da lentidão da China e forte recessão nos Estados Unidos e Europa, os sinais serão de desajuste dos indicadores econômicos e financeiros, inclusive com inflação em alta, assim como a taxa de juros. O dólar oscila entre R$ 5,20 e R$ 5,50 Apenas a agropecuária segue com desempenho, mas com preços em queda.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Como ser um jornalista na internet

Para ser um jornalista online, você precisa conhecer quatro "coisas". Um designer. Um programador de sistemas. Uma empresa capaz de valorizar profissionais capacitados e de dar bons empregos para vocês três. E o mais importante: saber muito sobre comunicação e marketing e um pouco sobre design e tecnologia. Esta deve - ou deveria - ser a resposta padrão para pergunta freqüente feita por jornalistas, novos e antigos, interessados em atuar no novo mercado criado pela internet. Muitos deles imaginam que as portas digitais serão abertas por algum curso sobre as inúmeras tecnologias desenvolvidas para o desenho e gerenciamento de sites. "Tenho muita vontade de atuar em jornalismo na internet, e estou fazendo um curso de Dreamweaver", anunciam os abnegados candidatos a emprego minimamente digno nesta praia de muitas ondas nem sempre boas para surfar. Outros, constrangidos, contam em segredo: eu queria muito trabalhar na internet, mas não sei nada de informática. Menos imp

Quem matou o jornalista

Zélia Leal Adghirni A mídia não reflete a opinião pública. A sociedade pensa uma coisa e a mídia fala outra. E o pior: muitas vezes seleciona e reproduz só aquilo que coincide com os interesses políticos e econômicos do momento. O alerta foi dado pelo professor e pesquisador americano da Universidade do Colorado, Andrew Calabrese, durante o 29º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), que reuniu, na semana passada, mais de três mil professores, alunos e pesquisadores em comunicação na Universidade de Brasília em torno do tema Estado e Comunicação. Calabrese fez graves criticas à mídia americana que, segundo ele, exagerou no patriotismo em detrimento da informação após os atentados de 11 de setembro de 2001. De acordo com o professor, o discurso da Casa Branca e da grande mídia passou a ser quase unificado. A mídia quis fazer uma demonstração de patriotismo e solidariedade e acabou abraçando a decisão do governo de invadir o Iraque sem o respaldo da opinião da opinião

Jornalistas serão substituídos por robôs?

Os jornalistas podem - e vão - ser substituídos por robôs?