Pular para o conteúdo principal

Era do desalento: impactos da crescente descrença no futuro

Pesquisa do instituto Ipsos registra aumento da insatisfação popular com os políticos tradicionais. Foto: Fotos Públicas
Pesquisa do instituto Ipsos registra aumento da insatisfação popular com os políticos tradicionais. Foto: Fotos Públicas

Carlos Teixeira
Jornalista I Radar do Futuro

A insatisfação com o sistema político e a descrença nas soluções de curto prazo para os problemas econômicos e sociais contribui para que três em cada quatro brasileiros acreditem que apenas líderes fortes serão capazes de enfrentar ricos e detentores de poder. A constatação faz parte das conclusões da pesquisa Global Advisor “Populist and Nativist Sentiment in 2019”, desenvolvida pelo instituto Ipsos.

Os dados são extremamente preocupantes. A posse de um novo governo, com o viés autoritário, aumentou, e não diminuiu o desejo de governantes fortes. O percentual é maior do que o da pesquisa anterior, de 2016, quando 68% dos brasileiros concordavam com a afirmação. Globalmente, o índice é menor, de 64%, tendo aumentado um ponto percentual em relação à edição anterior. A pesquisa, realizada com 18,5 mil entrevistados, em 27 países, incluindo o Brasil, entre 22 de março e 5 de abril de 2019, com margem de erro de 3,5 na amostra brasileira, confirma a tendência de expansão do desalento das populações diante do cenário de crise global.

Os resultados refletem o cenário global de elevado desemprego entre jovens, com oferta crescente de empregos precários, aumento da concentração de renda e da miséria, questões migratórias, cortes de programas sociais, além da sensação de que os grandes conglomerados são beneficiados por políticas governamentais. Especialmente, os bancos que, responsáveis pela crise de 2008, não foram punidos e permanecem com lucros elevados e protegidos.

Não deve ser à toa que pouco mais da metade dos brasileiros (53%) acredita que, além da necessidade do líder forte, é preciso ter alguém disposto a quebrar regras para consertar o país. A França o percentual é de 77%, confirmando a gravidade do momento. O resultado do Brasil também é maior do que o registrado no mundo, de 49%. Embora no mundo, o índice tenha se mantido de uma edição da pesquisa para a outra, entre os brasileiros houve um crescimento de cinco pontos percentuais com a concordância da afirmação.

Corrupção segue ativa

A pesquisa ainda apontou que o Brasil é o segundo país que mais acredita que a sua sociedade, como instituição, está corrompida. Oito em cada dez brasileiros (78%) concordam com a frase “a sociedade brasileira está corrompida”. O percentual é o mesmo da África do Sul e só fica atrás da Polônia, com 84%. O resultado brasileiro é o mais alto em comparação com todas as nações da América Latina e está muito acima da média global, de 54%.

Para Priscilla Branco, gerente da área de Public Affairs da Ipsos, “a percepção de que a sociedade brasileira está corrompida, não se alterou desde 2016, e perpassa todas as classes sociais e indivíduos de diferentes faixas etárias”. Outros dados sobre rumo e humor com relação ao país corroboram estes resultados, como o da pesquisa “What worries the World”, também da Ipsos, que mostra que 6 em cada 10 brasileiros acreditam que o Brasil está no rumo errado.

“É claro que o indicador de rumo é mais abrangente, sinaliza uma visão mais geral, que diz respeito à economia e questões sociais, mas a percepção de que há uma “fratura” na sociedade nos indica que o fenômeno da polarização ainda é percebido com bastante força”, assinala Priscilla Branco. Conversas em redes sociais, separadas em grupos, confirmam a avaliação, com a evidente desconfiança quanto a soluções para a crise interna.

Benefício dos ricos

Quando o tema é economia, sete em cada dez brasileiros (75%) acreditam que a economia do país funciona para beneficiar ricos e poderosos. O resultado mostra um aumento de seis pontos percentuais quando comparado ao último levantamento, de 2016. O índice global é de 70%.

“Isso é um claro indicador de que, apesar do país ter passado recentemente por uma eleição, a percepção com relação ao funcionamento do sistema não seguiu uma direção oposta. Em toda a América Latina, prevalece a percepção de que a economia dos países funciona para beneficiar os ricos e poderosos”, ressalta Priscilla.

Globalmente, mais de seis em cada dez entrevistados (66%) acreditam que os políticos e partidos tradicionais não ligam para pessoas comuns. No Brasil, o índice é maior, de 72%, registrando um aumento de três pontos percentuais em relação a 2016.

Imigrantes

No Brasil, cerca de 20% dos cidadãos concordam que o país estaria melhor se deixasse todos os imigrantes entrarem no país. O resultado é um pouco maior do que a média global, de 15%. A Índia é a nação que mais concorda com esse assunto (35%), seguido por Arábia Saudita (37%) e Estados Unidos e Peru, ambos com 22%. A Sérvia é o que menos concorda (5%).

O Brasil também apresenta um dos menores índices de concordância da América Latina com relação à afirmação “Os imigrantes tiram importantes serviços sociais dos reais brasileiros” (37%). No entanto, a concordância com esta afirmação subiu 10 pontos percentuais desde 2016. A média no mundo é de 43%.

A maioria dos brasileiros também concorda que, quando há escassez de trabalho, empregadores devem priorizar a contratação de mão de obra de brasileiros (60%). O resultado do país é igual ao registrado no mundo.


  • Fonte: Ipsos

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Como ser um jornalista na internet

Para ser um jornalista online, você precisa conhecer quatro "coisas". Um designer. Um programador de sistemas. Uma empresa capaz de valorizar profissionais capacitados e de dar bons empregos para vocês três. E o mais importante: saber muito sobre comunicação e marketing e um pouco sobre design e tecnologia. Esta deve - ou deveria - ser a resposta padrão para pergunta freqüente feita por jornalistas, novos e antigos, interessados em atuar no novo mercado criado pela internet. Muitos deles imaginam que as portas digitais serão abertas por algum curso sobre as inúmeras tecnologias desenvolvidas para o desenho e gerenciamento de sites. "Tenho muita vontade de atuar em jornalismo na internet, e estou fazendo um curso de Dreamweaver", anunciam os abnegados candidatos a emprego minimamente digno nesta praia de muitas ondas nem sempre boas para surfar. Outros, constrangidos, contam em segredo: eu queria muito trabalhar na internet, mas não sei nada de informática. Menos imp

Quem matou o jornalista

Zélia Leal Adghirni A mídia não reflete a opinião pública. A sociedade pensa uma coisa e a mídia fala outra. E o pior: muitas vezes seleciona e reproduz só aquilo que coincide com os interesses políticos e econômicos do momento. O alerta foi dado pelo professor e pesquisador americano da Universidade do Colorado, Andrew Calabrese, durante o 29º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), que reuniu, na semana passada, mais de três mil professores, alunos e pesquisadores em comunicação na Universidade de Brasília em torno do tema Estado e Comunicação. Calabrese fez graves criticas à mídia americana que, segundo ele, exagerou no patriotismo em detrimento da informação após os atentados de 11 de setembro de 2001. De acordo com o professor, o discurso da Casa Branca e da grande mídia passou a ser quase unificado. A mídia quis fazer uma demonstração de patriotismo e solidariedade e acabou abraçando a decisão do governo de invadir o Iraque sem o respaldo da opinião da opinião

Jornalistas serão substituídos por robôs?

Os jornalistas podem - e vão - ser substituídos por robôs?