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Entrevistar dados é nova função dos jornalistas

As empresas de jornalismo já se deram conta de que vale a pena investir em uma equipe especializada em dados. Essa é uma nova área que vem mostrando muito resultado tanto nas informações, quanto na melhoria do jornalismo. Sendo assim, o blog de Jornalismo Econômico do UniRitter procurou jornalistas especializados no assunto. Maurício Tonetto, ZH, e Leonardo Foletto, UFRGS, profissionais reconhecidos, com qualificação na área, explicam como é trabalhar no meio e quais são as visões de um futuro que já começou.



Por Camila Delvaux
Jornalismo Econômico / Noite

Dificilmente o jornalismo é visto como uma profissão que dá dinheiro ou que o adolescente que presta vestibular pense: “Vou fazer jornalismo porque vou ficar rico!”. Não. Com certeza, não. Até pode ser que tenha um ou outro achando que vão ser âncoras do JN (como se isso fosse tudo), mas na maioria das vezes, as pessoas entram no jornalismo por causa dos seus valores, princípios e muita paixão.

Recapitulando, em 2013 o jornalismo estava entre as piores profissões do mundo segundo o site de empregos CareerCast.com. Porém, tudo depende de quanto você precisa para viver. Geralmente o jornalista trabalha em dois turnos, em dois lugares e, atualmente, abre o seu próprio negócio para poder ganhar mais.

Em janeiro de 2014 foi divulgada pelo G1 uma reportagem sobre o crescimento das startup’s no Brasil como uma nova forma de fazer dinheiro até então sendo apenas para o perfil de pessoas empreendedoras que entendiam de administração, empresas ou algo do tipo. Nem se pensava em fazer algum negócio ou empresa que envolvesse jornalismo e dados, até porque, para quê iria servir, não é mesmo?

De acordo com Maurício Tonetto, repórter do grupo de investigações da ZH, jornalismo de dados é uma tendência da reportagem para os próximos anos e como um complemento muito interessante à apuração jornalística tradicional. De certa forma, o jornalismo de dados é científico quando comparado à reportagem jornalística aplicada hoje nas redações, isso porque ele usa a lógica binária da informática – zeros e uns – para traduzir milhares e às vezes milhões de números, gráficos e imagens em informação.

Com a popularização dos sites de notícias e da internet propriamente dita, o jornalismo de dados se apresenta como uma forma totalmente nova e revolucionária de narrar histórias, mas para utilizar as ferramentas que impulsionam esse tipo de jornalismo é preciso se preparar (e muito bem), pois nem sempre é simples traduzir dados brutos em informação lapidada. Para os jornalistas do mercado de trabalho a principal diferença dele é a possibilidade de extrair muitas abordagens de coisas aparentemente sem graça – tabelas, gráficos, números agrupados, imagens reunidas sem aparente conexão. E outra grande diferença que ainda é difícil de convencer os jornalistas mais antigos é que além de entrevistar pessoas, agora, se entrevista planilhas e depois as pessoas como complemento e base para a matéria. Ela está ali escondida em meio à lógica binária, é preciso traduzi-la e transforma-la numa história.

Para Tonetto, ZH, as empresas ainda não exploram esse tipo de jornalismo de maneira satisfatória. Para isso ocorrer, é necessário investir em treinamento para os jornalistas e em aumento de equipes de programadores e desenvolvedores, que vivem dentro dessa lógica binária e podem contribuir muito para a formação de uma nova geração de jornalistas realmente digitais – ou seja, que pensam o jornalismo de forma digital. “Para nós, jornalistas, é muito boa a novidade. Por outro lado, exige mais estudo e formação em áreas que aparentemente não tinham muito a ver com a profissão”, revela Maurício.

O mercado está muito instável. As grandes empresas de comunicação vivem uma crise sem precedentes, porque a internet quebrou a lógica da distribuição do conteúdo. Não é mais necessário depender de um veículo para ser bem informado hoje, e os veículos perderam bastante a relevância e, com isso, o apoio financeiro.

Por outro lado, a internet possibilita uma infinidade de espaços para os jornalistas criarem o que quiserem. Nunca foi tão aberta a possibilidade de publicar, compartilhar, influenciar, independente de uma marca por trás. As empresas jornalísticas que aproveitarem efetivamente as possibilidades do jornalismo de dados podem criar coisas novas e, com isso, conquistar nichos de mercado que ainda estão para serem conquistados.

As empresas precisam se adaptar na mesma velocidade da internet e não tentar enquadrar a rede em conceitos ultrapassados de jornalismo. “Com certeza já estão surgindo startup’s para esse meio. Muitos aplicativos calcados na colaboração de leitores/espectadores/ouvintes estão nessa linha de jornalismo de dados. Por exemplo: quando você cria um aplicativo e chama os leitores para contribuírem em determinado assunto, você está criando um banco de dados que, trabalhado, se transforma em informação e histórias. Isso é jornalismo de dados”, exemplifica Tonetto.

ENTREVISTA

Leonardo Foletto pesquisa no PPGCOM / UFRGS jornalismo X midiativismo e tecnologia, dá aula de jornalismo de dados e participa de comunidades de hackers. Confira entrevista exclusiva concedida ao blog de Jornalismo Econômico do Centro Universitário Ritter dos Reis sobre as mudanças que ocorrem no Jornalismo.

Como você enxerga a profissão do jornalista nos tempos de hoje e qual o grau de relevância que tem o jornalismo de dados?
Leonardo Foletto– Continuo com o mesmo ideal de quando comecei. Nasci para fazer isso e acredito muito no jornalismo. Ele nasceu para ficar eternamente e vai se adaptar, como tudo no mundo se adapta. O jornalismo de dados é um instrumento a mais, mas surgirão outros no futuro que ainda nem sonhamos. Porém, a força de uma história narrada com emoção, ética, critérios jornalísticos, texto fluido, imagens impactantes e outros recursos bem empregados, é o que realmente importa para influenciar a sociedade e mudar o que precisa ser mudado.

Quero saber de ti que atua no meio investigativo como você vê o jornalismo de dados?
Foletto – O jornalismo de dados (ou guiado por dados, ou periodismo de datos/datajournalism) nada mais é que uma evolução da reportagem assistida por computador (RAC) que desde os anos 1970 se pratica em algumas redações. Num contexto de “big data”, em que boa parte de nossas vidas passam por dados em ferramentas digitais na internet, o jornalismo de dados busca usar de ferramentas digitais para extrair, relacionar e apresentar este grande volume de dados de maneira que um público que não é acostumado a isso compreenda, como qualquer outro “tipo” de jornalismo faz.

Você acha que as empresas já estão se preparando para lidar com este “novo” meio?
Foletto – As empresas jornalísticas tradicionais – assim como coletivos de midiativismo e novas publicações ditas alternativas ou independentes – estão percebendo que saber extrair pautas, produzir reportagens e visualizações de dados é hoje tarefa fundamental para o jornalismo. Novamente, o contexto do “big data”: quantas informações postamos em nossas redes sociais diariamente? Quantos dados são tabulados nos governos e são disponibilizados em projetos de dados abertos por aí? Muitos, e cada vez mais. São informações relevantes para entender a realidade, compreender o mundo que vivemos, e por isso são também para o jornalismo. As técnicas e ferramentas do jornalismo de dados são maneiras que o jornalismo, com forte apoio das ciências da computação e da informação, tem encontrado para trabalhar com estes dados e usá-los para produzir informação de interesse público.

Você acha que ainda vão surgir negócios e/ou startups guiados por jornalismo de dados? E acredita ser um novo meio para os jornalistas seguirem neste novo caminho?
Foletto – Acredito que sim. O jornalismo está em transformação constante, novas práticas, veículos e formas de se fazer reportagem estão sendo desenvolvidas, e o jornalismo de dados é uma delas, então é natural que surjam novas publicações, grupos e empresas que venham a trabalhar com isso. Não creio que seja um novo “meio”, como TV, Rádio, impresso, etc, mas um conjunto de técnicas que se fazem necessárias para a produção jornalística em quaisquer meios – em especial, na apuração e no cruzamento das informações apuradas com outras várias.

Como tu achas que está o mercado e de que maneira esse viés do jornalismo influencia hoje nas empresas?
Foletto – O “mercado” de jornalismo de dados deveria ser o mesmo que o de qualquer jornalismo, porque ele não depende do meio a ser publicado determinada reportagem. Infelizmente, ainda são poucas as redações tradicionais que tem pessoas especialmente dedicadas a trabalhar com reportagem guiada por dados (lembro agora, em especial, do Estadão Dados, núcleo pioneiro em jornais no Brasil). Existem muitos grupos independentes, de hackers e entusiastas da transparência como a Escola de Dados, que tem produzido diversos produtos a partir de cruzamento de dados. E algumas novas iniciativas, como o Jornalismo ++ (leia box) porque é certo que a inovação no jornalismo não está dentro das estruturas rígidas das redações dos grandes jornais.

Qual a tua visão hoje do jornalismo como papel fundamental para sociedade e se tu como profissional mudou junto com as mudanças da comunicação (era digital, volatilidade da informação e fluidez de notícias)?
Foletto – Num mundo cada vez mais conectado e com mais informações sendo digitalizadas e em rede, é natural que cresça a importância do pensamento sobre o que fazer com estes dados na comunicação e no jornalismo. Faz com que também aumente o papel da tecnologia nos processos de produção do jornalismo, e daí decorre também a importância de pensarmos nos objetos, softwares e outras tecnologias que nos rodeiam como elementos que não são neutros – interferem, sim, na produção de notícias e na nossa vida cotidiana. Quanto mais conhecermos estes objetos, mais vamos ter noção de como é produzido a notícia, o relato de dado acontecimento, e, por tabela, saberemos mais sobre o funcionamento de nossa sociedade.
LEIA MAIS sobre a startup Jornalismo ++

A Jornalismo ++ conseguiu unir comunicação com ênfase em jornalismo e coleta de dados. A empresa jornalismo++ é uma agência especializada em contar histórias baseadas em dados, criada por uma rede de jornalistas de dados e desenvolvedores, com sedes em seis cidades da Europa e pela primeira vez em 2014 em São Paulo. Eles fazem o trabalho completo: desde a coleta e análise dos dados até sua apresentação final. Segundo a Jornalismo ++, o jornalismo é a arte de tornar interessante aquilo que é importante, e não o contrário. E para isso eles reuniram conhecimentos diferentes – diagramação, desenvolvedores, jornalismo, estatística – em uma única equipe multidisciplinar que atua de forma integrada.

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