Zélia Leal Adghirni
A mídia não reflete a opinião pública. A sociedade pensa uma coisa e a mídia fala outra. E o pior: muitas vezes seleciona e reproduz só aquilo que coincide com os interesses políticos e econômicos do momento. O alerta foi dado pelo professor e pesquisador americano da Universidade do Colorado, Andrew Calabrese, durante o 29º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), que reuniu, na semana passada, mais de três mil professores, alunos e pesquisadores em comunicação na Universidade de Brasília em torno do tema Estado e Comunicação.
Calabrese fez graves criticas à mídia americana que, segundo ele, exagerou no patriotismo em detrimento da informação após os atentados de 11 de setembro de 2001. De acordo com o professor, o discurso da Casa Branca e da grande mídia passou a ser quase unificado. A mídia quis fazer uma demonstração de patriotismo e solidariedade e acabou abraçando a decisão do governo de invadir o Iraque sem o respaldo da opinião da opinião pública.
A mesma advertência de que mídia e sociedade não falam a mesma linguagem já havia sido feita, dias atrás, pelo ex-assessor do presidente Lula, Ricardo Kotscho, quando lançou seu livro “Do Golpe ao Planalto”. Além da autocrítica pronunciada em público, quando declarou, durante debate na Caixa, ter sido “um péssimo assessor de imprensa” no governo (disse que seu terreno é a reportagem, a rua, o mato, o povo e não os gabinetes de Brasília), Kotscho criticou os jornalistas que, na sua opinião, não trazem para os veículos de comunicação o que realmente acontece na sociedade.
Hoje, enquanto a imprensa passa o tempo todo batendo no governo, as sondagens indicam que o presidente Lula será reeleito no primeiro turno.Mas o que acontece com a mídia? Seria falsa a teoria do agenda-setting (Shaw e McCombs), segundo a qual a mídia interfere na espera pública indicando o que pensar e não como pensar? As primeiras pesquisas em comunicação no período pós-guerra eram extremamente funcionalistas. Acreditava-se que a imprensa realmente “fazia a cabeça” do cidadão.
Que o leitor acreditava em tudo que lia. Depois vieram as correntes dos efeitos limitados. A mídia influencia a pauta da sociedade mas não é determinante. Outras vozes sopram nos ouvidos dos (e)leitores para construir a opinião e fazer as escolhas: a família, a Igreja, o sindicato, os movimentos sociais, etc.Se a mídia vem atacando sistematicamente o governo (não foram poucos os escândalos nos últimos meses), como é que o povo ainda vai votar no Lula? São muitas as hipóteses para explicar o paradoxo mas, para ficar no plano dos meios de comunicação, acredito que a mídia impressa não atinge a maioria dos cidadãos.
Por falta de dinheiro, por analfabetismo e até por falta de interesse, o povo não lê jornais e revistas – muito menos os grandes jornais do Rio e São Paulo, que se dizem nacionais mas não chegam aos confins do Brasil. O povo olha TV. Como afirma o sociólogo francês Dominique Wolton, é a TV aberta que cria os laços sociais. Por outro lado, se a TV aberta é aplaudida por Wolton, que faz o elogio do grande público, um outro segmento, elitizado e mais exigente, se revela grande consumidor de noticias pela internet e pelas “mídias das fontes”.
Cada vez mais, as pessoas acessam o mundo pelos sites e blogs que dão o máximo de informações num mínimo de tempo. Sabe-se tudo num simples clique. Que importam as análises, o contexto, a cronologia dos fatos se o tempo é real? Somos campões mundiais em matéria de consumo de notícias em tempo real, revelam pesquisas.
Como explicar o fenômeno para os colegas estrangeiros perplexos que perguntam: por que o brasileiro tem tanta pressa de ler notícias se chega sempre atrasado nos encontros marcados?Outro fenômeno de audiência contemporâneo é a produção de notícias pelas “mídias das fontes” (termo cunhado pelo jornalista/pesquisador Chico Sant’Anna, que faz doutorado na França sobre o tema). Os Três Poderes montaram verdadeiros aparatos de comunicação com rádio, TV, agência e jornal para comunicar diretamente com o público, sem mediações.
A Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ) estima que dos 40 mil jornalistas atualmente em atividade declarada no mercado, metade esteja trabalhando em mídias institucionais. Só no Congresso Federal circulam cerca de 500 jornalistas por dia. Quase a metade são funcionários da casa, contratados por concursos públicos sob a denominação de analista legislativo/técnico em comunicação. Os demais são jornalistas da mídia convencional credenciados na Câmara e no Senado.Sem falar nos profissionais da Radiobrás, que emprega hoje cerca de mil pessoas. Só no Planalto são 75 jornalistas.
Temos ainda a TV Justiça e as Forças Armadas, que criaram seu próprios canais de comunicação com a sociedade. Estas mídias das fontes jorram notícias em fluxo contínuo e atingem milhões de brasileiros. Se o tema do congresso na UnB era Estado e Comunicação, havia assunto de sobra para a discussão acadêmica. O problema é que o público, embora pareça tão próximo, está longe disso. Ele não é capaz de distinguir se está lendo uma notícia extraída de um site governamental ou de uma investigação independente de repórter.
Por mais que os jornais neguem, nossas pesquisas comprovam a prática do copiar-colar das notícias das mídias das fontes pela mídia comercial. E não é proibido. A Radiobras e as agências da Câmara e do Senado permitem o uso de seus textos e imagens, desde que seja citada a fonte - o que nem sempre é feito, pois dezenas de aspas são “roubadas” diariamente das mídias das fontes.O que fazer? No final de agosto a revista The Economist trouxe matéria de capa e editorial com o título: “Quem matou o jornal?”
A publicação semanal conclui que o jornal já está morto. Mas para que o jornal morresse foi preciso antes matar o jornalista. E quem matou o jornalista? A preguiça, o comodismo, a economia das empresas endividadas. Os jornalistas estão todos confinados naquela categoria que os franceses chamam de “jornalista sentado”, em oposição ao “jornalista de pé”. O primeiro fica na redação, na “cozinha”, como se chamava antigamente. O segundo vai para a rua, para os corredores dos palácios, para as portas dos ministérios, para a selva amazônica, para a guerra, para o raio que o parta.
Qualquer que seja o veículo, impresso, audiovisual ou eletrônico, o bom jornalista é aquele que vai atrás da noticia. Não espera que ela chegue pelas assessorias , pelas mídias das fontes ou pelos sites concorrentes.Enquanto a mídia continua pendurada na Esplanada dos Ministérios fazendo jornalismo declaratório de segunda mão, a vida acontece lá fora. Assim, com certeza, a mídia não reflete a opinião pública nem a opinião popular. Porque o jornalista está morto.
Zélia Leal Adghirni é jornalista e professora da Universidade de Brasília
Fonte: www.blogdonoblat.com.br
A mídia não reflete a opinião pública. A sociedade pensa uma coisa e a mídia fala outra. E o pior: muitas vezes seleciona e reproduz só aquilo que coincide com os interesses políticos e econômicos do momento. O alerta foi dado pelo professor e pesquisador americano da Universidade do Colorado, Andrew Calabrese, durante o 29º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), que reuniu, na semana passada, mais de três mil professores, alunos e pesquisadores em comunicação na Universidade de Brasília em torno do tema Estado e Comunicação.
Calabrese fez graves criticas à mídia americana que, segundo ele, exagerou no patriotismo em detrimento da informação após os atentados de 11 de setembro de 2001. De acordo com o professor, o discurso da Casa Branca e da grande mídia passou a ser quase unificado. A mídia quis fazer uma demonstração de patriotismo e solidariedade e acabou abraçando a decisão do governo de invadir o Iraque sem o respaldo da opinião da opinião pública.
A mesma advertência de que mídia e sociedade não falam a mesma linguagem já havia sido feita, dias atrás, pelo ex-assessor do presidente Lula, Ricardo Kotscho, quando lançou seu livro “Do Golpe ao Planalto”. Além da autocrítica pronunciada em público, quando declarou, durante debate na Caixa, ter sido “um péssimo assessor de imprensa” no governo (disse que seu terreno é a reportagem, a rua, o mato, o povo e não os gabinetes de Brasília), Kotscho criticou os jornalistas que, na sua opinião, não trazem para os veículos de comunicação o que realmente acontece na sociedade.
Hoje, enquanto a imprensa passa o tempo todo batendo no governo, as sondagens indicam que o presidente Lula será reeleito no primeiro turno.Mas o que acontece com a mídia? Seria falsa a teoria do agenda-setting (Shaw e McCombs), segundo a qual a mídia interfere na espera pública indicando o que pensar e não como pensar? As primeiras pesquisas em comunicação no período pós-guerra eram extremamente funcionalistas. Acreditava-se que a imprensa realmente “fazia a cabeça” do cidadão.
Que o leitor acreditava em tudo que lia. Depois vieram as correntes dos efeitos limitados. A mídia influencia a pauta da sociedade mas não é determinante. Outras vozes sopram nos ouvidos dos (e)leitores para construir a opinião e fazer as escolhas: a família, a Igreja, o sindicato, os movimentos sociais, etc.Se a mídia vem atacando sistematicamente o governo (não foram poucos os escândalos nos últimos meses), como é que o povo ainda vai votar no Lula? São muitas as hipóteses para explicar o paradoxo mas, para ficar no plano dos meios de comunicação, acredito que a mídia impressa não atinge a maioria dos cidadãos.
Por falta de dinheiro, por analfabetismo e até por falta de interesse, o povo não lê jornais e revistas – muito menos os grandes jornais do Rio e São Paulo, que se dizem nacionais mas não chegam aos confins do Brasil. O povo olha TV. Como afirma o sociólogo francês Dominique Wolton, é a TV aberta que cria os laços sociais. Por outro lado, se a TV aberta é aplaudida por Wolton, que faz o elogio do grande público, um outro segmento, elitizado e mais exigente, se revela grande consumidor de noticias pela internet e pelas “mídias das fontes”.
Cada vez mais, as pessoas acessam o mundo pelos sites e blogs que dão o máximo de informações num mínimo de tempo. Sabe-se tudo num simples clique. Que importam as análises, o contexto, a cronologia dos fatos se o tempo é real? Somos campões mundiais em matéria de consumo de notícias em tempo real, revelam pesquisas.
Como explicar o fenômeno para os colegas estrangeiros perplexos que perguntam: por que o brasileiro tem tanta pressa de ler notícias se chega sempre atrasado nos encontros marcados?Outro fenômeno de audiência contemporâneo é a produção de notícias pelas “mídias das fontes” (termo cunhado pelo jornalista/pesquisador Chico Sant’Anna, que faz doutorado na França sobre o tema). Os Três Poderes montaram verdadeiros aparatos de comunicação com rádio, TV, agência e jornal para comunicar diretamente com o público, sem mediações.
A Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ) estima que dos 40 mil jornalistas atualmente em atividade declarada no mercado, metade esteja trabalhando em mídias institucionais. Só no Congresso Federal circulam cerca de 500 jornalistas por dia. Quase a metade são funcionários da casa, contratados por concursos públicos sob a denominação de analista legislativo/técnico em comunicação. Os demais são jornalistas da mídia convencional credenciados na Câmara e no Senado.Sem falar nos profissionais da Radiobrás, que emprega hoje cerca de mil pessoas. Só no Planalto são 75 jornalistas.
Temos ainda a TV Justiça e as Forças Armadas, que criaram seu próprios canais de comunicação com a sociedade. Estas mídias das fontes jorram notícias em fluxo contínuo e atingem milhões de brasileiros. Se o tema do congresso na UnB era Estado e Comunicação, havia assunto de sobra para a discussão acadêmica. O problema é que o público, embora pareça tão próximo, está longe disso. Ele não é capaz de distinguir se está lendo uma notícia extraída de um site governamental ou de uma investigação independente de repórter.
Por mais que os jornais neguem, nossas pesquisas comprovam a prática do copiar-colar das notícias das mídias das fontes pela mídia comercial. E não é proibido. A Radiobras e as agências da Câmara e do Senado permitem o uso de seus textos e imagens, desde que seja citada a fonte - o que nem sempre é feito, pois dezenas de aspas são “roubadas” diariamente das mídias das fontes.O que fazer? No final de agosto a revista The Economist trouxe matéria de capa e editorial com o título: “Quem matou o jornal?”
A publicação semanal conclui que o jornal já está morto. Mas para que o jornal morresse foi preciso antes matar o jornalista. E quem matou o jornalista? A preguiça, o comodismo, a economia das empresas endividadas. Os jornalistas estão todos confinados naquela categoria que os franceses chamam de “jornalista sentado”, em oposição ao “jornalista de pé”. O primeiro fica na redação, na “cozinha”, como se chamava antigamente. O segundo vai para a rua, para os corredores dos palácios, para as portas dos ministérios, para a selva amazônica, para a guerra, para o raio que o parta.
Qualquer que seja o veículo, impresso, audiovisual ou eletrônico, o bom jornalista é aquele que vai atrás da noticia. Não espera que ela chegue pelas assessorias , pelas mídias das fontes ou pelos sites concorrentes.Enquanto a mídia continua pendurada na Esplanada dos Ministérios fazendo jornalismo declaratório de segunda mão, a vida acontece lá fora. Assim, com certeza, a mídia não reflete a opinião pública nem a opinião popular. Porque o jornalista está morto.
Zélia Leal Adghirni é jornalista e professora da Universidade de Brasília
Fonte: www.blogdonoblat.com.br
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