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Garanta uma carreira brilhante


Procura-se: Diretor de marketing. Desnecessário ter conhecimento ou formação na área. Pode ser engenheiro, médico, advogado, assistente social, jogador de futebol, navegador, jornalista ou outra especialidade. Se tiver recursos próprios, independente da origem, pode ter curso secundário incompleto. Necessário saber pronunciar corretamente as expressões ´enterprise relationship planning´, ´costumer relationship management´, ´business intelligence´ e ´follow up´. Importante memória e conhecimentos de encenação para repetir frases como ´temos 500 mil visitações-dia´; ´estamos recebendo novo aporte de capital´ e ´o modelo de internet grátis não tem futuro´. Não pagamos bem, mas nossos funcionários podem jogar Fifa 2002 no horário do almoço. (Observação: não receberemos currículos de profissionais com especialização, principalmente quem tenha MBA)

O texto acima, com situações verdadeiras, espelha fatos que ocorrem no mercado de trabalho deste início de século, particularmente na atual fase da nova economia, em que parecer profissional é mais importante do que ser profissional, ou em que parecer sério é mais importante do que ser sério. O sujeito odeia a engenharia, que só fez porque o pai mandou, para ter direito à herança. Tentou várias funções na construtora paterna, mas não se ajustou a nada. Até que surgiu a salvadora função de diretor de Marketing. A moça fez medicina, por imposição da mãe. Hoje, é diretora de Comunicação de uma confecção. Da mãe, é claro.

Marketing e Comunicação parecem ser duas funções que se ajustam perfeitamente à ausência de alguma definição mais precisa do papel desempenhado por alguém dentro de uma empresa. Eqüivalem ao Bombril, com suas 1001 utilidades. Ou ao Danoninho, que vale por dois bifinhos. Basta ter tido um dez em Comunicação e Expressão durante o ginásio e ter feito belas redações sobre o tema ´minhas férias na praia com a família´ para a pessoa achar que domina todos os conceitos de jornalismo, publicidade e relações públicas. ´Sei até diferenciar objeto direto de objeto indireto e sujeito de verbo´, dirá o novo ´gerente de Comunicação da companhia´.

É comum encontrar pessoas que respondem por diretorias ou gerências de Marketing ou de Comunicação sem qualquer conhecimento sobre ambas as atividades, simplesmente porque recebem um ´cargo de confiança´ de alguém - pai, tio, ou cumpadre. Não se dão ao trabalho de ler, sequer, algum livro do tipo ´O que é marketing´. O destaque dado a empreendimentos criados por adolescentes é um exemplo sobre como tais funções resolvem problemas das pessoas. Na falta de qualificação, estudantes que ainda não acabaram sequer o segundo grau, tendo o aporte de capital do pai, encontram a salvação para a precariedade de conhecimentos: viram diretores de marketing. Ou os recém-formados em economia ou ciências tecnológicas distribuem os cargos em uma nova e revolucionária empresa. Aquele que não domina os conhecimentos técnicos, mas que é bom de lábia vira o que? Diretor de Comunicação. Lógico.

Alguém pode dizer: essa postura é corporativista. Será? Então faça um teste super simples. Você, navegador, jogador de futebol, psicólogo ou MBA em administração candidate-se a chefe do Departamento de Engenharia de uma construtora. Ou diretor da área médica de algum hospital. Ou gerente do Departamento Jurídico de uma empresa de prestação de serviços. Ou chefe do Departamento de Contabilidade de uma indústria de médio porte. Pode ter certeza: além de ter de aturar a cara de deboche do interlocutor, você receberá, no máximo, um vale-transporte só de ida para qualquer lugar distante destes bem cotados empregos. Mas se, milagrosamente, conseguir a vaga, corre o risco de ser boicotado por seus zelosos colaboradores e, além disso, ainda candidata-se a receber uma desagradável intimação judicial por exercício ilegal de profissão, com Creas, CRMs, OABs e CRCs pegando no seu pé, já gasto de tanto buscar uma boa colocação no mercado de trabalho da nova economia. E você compraria um apartamento se soubesse que o chefe da área de cálculos da construtora é especialista em seguros de vida?

A proliferação de gerentes de Marketing e de diretores de Comunicação em empresas e entidades de todos os tipos e setores revela, na prática, uma tendência de falta de profissionalismo de segmentos da nova economia, repetindo hábitos arraigados na velhíssima economia. No mesmo saco de denominações que servem a tudo para não definir nada, estão as recém-criadas funções de webdesigner, webmaster, gerente de conteúdo e, suprema realização dos webmarketeiros, arquitetos da informação - isso mesmo.

Hoje, por exemplo, com a experiência que acumulo em meu portal, posso ser convidado para palestras sobre ´o e-commerce na era digital´. Mas se você estiver precisando, também poderei falar sobre ´a utilização do amarelo e vermelho em projetos de sites de supermercados para a web´. Ou, também, sobre ´o tamanho do mercado de telefonia celular na América Latina´. Ou seja, se não há o pré-requisito do domínio do conhecimento, qualquer pessoa pode falar sobre qualquer coisa, desde que tenha boa formação no curso de ´cara de pau´.

Um webdesigner precisa ter alguma noção sobre cores e diagramação? Ou pode ser qualquer pessoa, desde que tenha conhecimento de html ou, mesmo, do FrontPage, da Microsoft? Em uma revista tradicional, o webdesigner talvez seja o equivalente a um diretor de arte, só que este, na maioria dos casos, conhece arte e diagramação. No fundo, no fundo, são novas roupagens para velhas funções. Melhor dizendo, e acompanhando as tendências ditadas pelo mercado, uma função não precisa ser nova, mas deve parecer nova. E quem cobrar profissionalismo é porque pertence à velha economia.

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